Meios de comunicação não têm cumprido papel de problematizar e fiscalizar o cumprimento dos direitos humanos.
Por Fábio Souza da Cruz* e Guilherme Camargo Massaú
Atualmente, os meios de comunicação de massa consistem no principal ou em um dos principais agentes de mediação entre o povo e o poder. Através de textos, sons e imagens, a cultura da mídia produz discursos, constrói mitos e estereótipos, sugere regras, maneiras de pensar, modas e hábitos.
Passando à frente de instituições como a família, a escola e a igreja, os meios de comunicação de massa, através dos seus veículos, adquirem, portanto, caráter centralizador na atualidade. Levando em conta essa realidade, percebemos que a mídia tradicional consiste em uma espécie de palco por onde desfilam as mais diversas forças. Neste horizonte, que é, definitivamente, político, os veículos de comunicação reproduzem as disputas entre os setores hegemônicos (ligados às chamadas camadas superiores da sociedade) e contra-hegemônicos - ou de resistência (atrelados às camadas ditas inferiores da sociedade).
Assim, quando trata de assuntos como a questão dos direitos humanos - outro foco do nosso artigo -, a mídia tradicional deveria problematizar essa complexa questão. A origem ou o aparecimento de um direito humano apresenta, em linhas gerais, algumas etapas. Entre elas está a perda da dignidade humana em qualquer nível, devido a contextos de exploração, opressão e desigualdade. Isto, por si só, merece atenção especial por parte dos nossos comunicadores. Assim, problematizar a questão dos direitos humanos consiste em reconstruir historicamente os cenários para que possamos entender as suas práticas. Significa detectar qual é a lógica vigente, quais são os setores envolvidos no processo e de que forma eles se relacionam. Porém, não é isso o que percebemos em boa parte da cobertura dos veículos de comunicação de massa. Geralmente, detectamos que a mídia utiliza uma noção simplificadora dos direitos humanos.
Voltando essa questão para a realidade latino-americana[1], por exemplo, na prática, sabemos que a questão em torno dos direitos humanos fica reduzida, muitas vezes, aos interesses de forças hegemônicas da sociedade. E são justamente estes agentes sociais que promovem a exclusão dos chamados populares, ou seja, os blocos vulneráveis como, por exemplo, os pobres e os trabalhadores dos setores rurais. Princípio da injustiça, a exclusão pressupõe, assim, admitir um não-pertencimento de um grupo civil que pertence a uma determinada comunidade[2].
Ao que parece, a tendência de parte dos veículos de comunicação de massa é a de não cumprir com a sua verdadeira tarefa, que é a de informar de forma ética e democrática a sociedade. Ao agirem desta maneira, assemelham-se à figura de um médico insano que sai da sua casa para trabalhar e, ao chegar ao hospital, esquece que a sua função principal é salvar vidas.
Uma vez agendada, uma pauta importante como os direitos humanos deveria ser problematizada à exaustão e também fiscalizada pela mídia. Esta precisa ter responsabilidade social no ato de informar, o que significa trânsito e conduta livres. Livres de qualquer força (agente/ator) social, pois o que está em jogo é o serviço prestado ao cidadão.
Autêntica personificação do médico insano, parte da mídia tradicional fere a ética em nome do mercado. Retira da pauta ou trata de forma resumida questões fundamentais como os direitos humanos. Seja por falta de preparo de seus profissionais, seja porque é movida por interesses particulares atrelados ao poder e/ou ao lucro, considerável parcela dos veículos de comunicação desinforma, ao invés de informar.
É imprescindível, portanto, olhar de frente - e com os olhos bem abertos - o jogo político das forças antagônicas que envolvem o tema em discussão e questionar a realidade "visível" e sabidamente cruel das violações dos direitos humanos. Agir desta maneira denotará uma preocupação com a sociedade civil. Demonstrará que a mídia tradicional estará livre para exercer a sua real função: informar ética e democraticamente as pessoas.
Por fim, sabemos que só isso não será suficiente para reverter o perverso cenário atual. No entanto, devido ao incontestável poder que a mídia exerce hoje sobre as pessoas, essa mudança de postura poderá trazer avanços significativos e, quiçá, sem volta para as questões referentes aos direitos humanos.
[1] O que não significa dizer que esse contexto não pode ser aplicado ao resto do mundo.
[2] Com relação aos requisitos "exigidos" para pertencer a uma determinada comunidade de consenso, primeiramente, temos que levar em conta que esta é formada por pessoas (forças hegemônicas) com determinadas características definidas e são justamente essas características que definem quem será aceito ou não na associação. Assim, os excluídos (forças contra-hegemônicas) apresentam diferenças determinadas que os deixam alheios ao grupo "normal", e essas podem ser de diversos tipos (raça, gênero, pertencimento a um determinado ambiente e/ou classe social etc.).
Fonte: http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/5533/m-dia-e-direitos-humanos.html