quinta-feira, 19 de março de 2015

Cibercultura

Excertos da Monografia *“Flash Mobs, movimentos que transcendem o ciberespaço: uma ferramenta alternativa de comunicação” de Éverton Bohn Kist
(…) A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou formal.(…) Aqui cabe introduzir uma distinção capital entre possível e virtual que Gilles Deleuze trouxe à luz em Différence et répétition. O possível já está todo constituído, mas permanece no limbo. O possível se realizará sem que nada mude em sua determinação nem em sua natureza. É um real fantasmático, latente. O possível é exatamente como o real só lhe falta a existência. (LÉVY, 1996, p. 15)O que Pierre Lévy afirma é que a diferença entre o “real” e o virtual ou atual é algo não tão complexo como se imagina, que o virtual é algo que se atualiza, que tem toda a possibilidade e potencialidade de se tornar “real”, passar para o mundo concreto, porém continua subjetivo, não palpável. Em outras palavras, é possível dizer que o virtual existe em um outro plano, ao qual não se possui acesso físico. Não se pode adentrar no ciberespaço como se entra em uma casa, uma biblioteca, um museu. Mas mesmo assim nos fazemos presentes nesse mundo abstrato constantemente. (…) São com máquinas meticulosamente projetadas pela engenharia computacional que conseguimos as chaves do portão para este mundo não palpável. Através do uso destes artefatos, conseguimos penetrar, localizar e ser localizados nesse complexo mundo cibernético que nos envolve em sua emaranhada teia de fios e cabos. (…)
A informática, juntamente com a internet, torna-se um meio aglutinador de conteúdo, à respeito de todas as áreas. Uma vez que, o conteúdo é produzido também pelo usuário, a partir de inúmeras interconexões e cruzamentos de informações. Porém, uma consequência salta aos olhos, a liberdade que a informação ganhou a partir da revolução do ciberespaço. Por isso, e pelo fácil acesso a informação é que a cibercultura se desenvolveu tão rapidamente e ganhou tantos adeptos.
Com o processo de digitalização vivido hoje, a imagem, o vídeo, a música, as telecomunicações tornaram-se ágeis. Filma-se um acontecimento na rua, a partir de um celular ou uma câmera digital, e logo após se faz o envio do vídeo para o ciberespaço, disponibilizando esta informação para o mundo em uma velocidade fantástica. (…). É a velocidade incomparável vivida pela era das redes digitais. Porém as facilidades que encontramos hoje para utilizarmos o ciberespaço foram construídas passo a passo, através da evolução de várias áreas da ciência e do constante avanço da tecnologia. O homem, a partir daí, foi criando novas formas de se comunicar.
(…). Agora, com a criação e o usufruto do computador e do ciberespaço, qualquer pessoa pode ser um emissor de mensagens em larga escala, um comunicador de massa. Algo que possibilita o homem interagir, comunicar-se, compartilhar informações com seus semelhantes, afins ou não, mais rapidamente e sem a necessidade de um encontro no “mundo real”, transitando somente pelo emaranhado campo virtual, guiados por seus aparelhos informatizados que tenham acesso a rede mundial de computadores. Podemos compreender a cibercultura como a forma sócio cultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações e com a informática na década de 70. (LEMOS, 2003. p. 11)
A cibercultura surge com a necessidade de uma nova forma de relacionamento social, uma maneira de “encontro” sem a demanda de tempo para realizá-lo, sem a necessidade de deslocar-se até um local previamente estabelecido. O encontro ocorre pelo intermédio de máquinas, resultado de uma sociedade nova, aberta a novas tecnologias, que as recebe sem receio. (…). (…) Com a cibercultura, máquinas como o celular e o computador fazem esse intermédio entre as pessoas, facilitando a comunicação e possibilitando um elo entre indivíduos localizados em pontos totalmente opostos do mundo. (…). Podemos assim dizer que, o surgimento de uma nova cultura, a cibercultura, vem transformando significativamente não só as referências espaço-temporais, mas os modelos de comunicação baseados na lógica de rede, aproximando os modos de organização de produção e de organização social (SÁEZ, 2001: p. 215).
Sáez (2001) e Levy (1999) falam que a cibercultura está transformando nosso modo de perceber a distância e modificando as formas de nos relacionarmos com as pessoas, mas não é só isso, mudanças mais concretas tomam forma nas metrópoles e grandes cidades, como nos afirma Castells “As novas formas de comunicação sem fio estão redefinindo o uso do espaço de lugar e dos espaços de fluxos” (Castells, apud Lemos 2004). Horan complementa essas afirmações dizendo que “Nas cidades contemporâneas, os tradicionais espaços de lugar (rua, praças, avenidas, monumentos) estão, pouco a pouco, transformando-se em espaços de fluxos, espaços flexíveis, comunicacionais, “lugares digitais” (Horan, apud Lemos 2004). Através de Tecnologias como o Wi-fi, Bluetooth, as pessoas adquiriram uma liberdade e uma mobilidade ainda maior. É comum ver grupos de pessoas trocando arquivos via Bluetooth, formando uma rede de transferência de arquivos sem fio, caseira. Ou ainda, ver pessoas sentadas em praças, bares, cafés, ruas, avenidas, praias etc, conectadas a internet ao ar livre somente com um laptop, sem a necessidade do uso de cabos. (…). A intervenção da cibercultura nas paisagens urbanas é um ponto de convergência entre vários autores. (…)
(…). Estas inovações vão sendo incorporadas a sociedade, principalmente pelo público jovem, sedento por novidades. Porém, na época em que vivemos em que o “ser jovem” está na “moda”, estas tecnologias ganham espaço em todas as faixas etárias. Em meio a pós-modernidade, mãe e filha se vestem iguais, utilizam artefatos para serem aceitas como pessoas “bacanas e antenadas”. O falar jovem, o vestir-se jovem, os cuidados do corpo, as histerias sociais são, largamente, partilhadas (no todo social). Todos, quaisquer que sejam as idades, classes, status, são, mais ou menos, contaminados pela figura da “eterna criança”. Numa palavra, e este é o objeto de minha reflexão atual, parece-me que à estrutura patriarcal e vertical está se sucedendo uma estrutura horizontal e fraternal. (MAFFESOLI, 2007, p. 99) Vive-se em uma sociedade onde o pai deixa de ser a figura carrancuda, amedrontadora, a pessoa “quadrada” e passa a ter a imagem do amigo. E para ter essa imagem, as pessoas mais velhas tem que se equiparar as mais jovens em conhecimento e domínio da cultura atual.
A partir de tais reflexões, nota-se, que o ciberespaço ganha adeptos não só nas fileiras jovens, mas também nas pessoas adultas e nas de mais idade, que não querem ficar ultrapassadas e perder o contexto da contemporaneidade. Vivemos a era da comunicação e da mutabilidade por meio dela, vivemos a era da comunhão do “estar-junto” como meio de aceitação. Comunicar é passar de identificação em identificação, fora da noção de identidade imutável, na busca de prazer, de sinergia, da sintonia, da comunhão, da conjunção social, do estar-junto que permite viver intensamente o “fantástico do cotidiano” [..]Comunicar, na linguagem dos jovens de agora, é “ficar”. Mas este ficar é oposto da permanência. É um ficar que passa. […] Na pós-modernidade, a socialidade assume o papel de protagonista e ganha o primeiro plano no palco do vivido cotidiano. Portanto, a cena pós-moderna constitui-se pela comunicação como um desejo e um prazer de estar-junto válido em si mesmo, como um ritual não formalizado da vibração em comum. (SILVA, 2004, p. 45)
(…). É através do ciberespaço, que se percorre inúmeros quilômetros no espaço concreto, sem sair da frente do seu computador, é ele que promove o encontro virtual de pessoas separadas fisicamente. Foi a facilidade, já citada anteriormente por Sáez (2001), que a cibercultura nos possibilitou, a quebra de referências espaço-temporais. Através de meios eletrônicos temos acesso instantâneo com determinada pessoa, independente da distância que nos separa. Lemos (2003), afirma que toda a mídia quebra a barreira espaço-tempo, que esta não é uma exclusividade da internet ou do celular. Pinturas rupestres, escritas, telégrafos, rádio, televisão. Todos estes meios que conseguem separar enunciador ou autor do enunciado. Assistir um filme de Charles Chaplin, ler um livro de Edgar Allan Poe são exercícios de separação espaço-temporal. Pois o autor da obra já nem vive mais entre nós, como nos exemplos, mas seu trabalho persiste para a posteridade. Mesmo hoje, em pleno século XXI podemos apreciar e analisar pinturas feitas em cavernas milhares de anos atrás. Idealizadas, executadas há milhares de anos e apreciadas até hoje.
Levy (1999, p.15), afirma ainda, que nas sociedades orais as mensagens eram passadas no mesmo contexto em que eram produzidas, minimizando assim as possibilidades de uma interpretação errônea. Através de um diálogo, qualquer possível dúvida que viesse a existir, seria logo eliminada com uma simples pergunta direta ao seu interlocutor. Entretanto, muito conhecimento era perdido e desperdiçado pela dificuldade de transmiti-lo em grande escala e pela “regionalização da informação”, uma vez que, eram necessárias viagens para transmitir o conhecimento para outras pessoas e povos. Porém, com o advento do ciberespaço e da cibercultura, estas viagens podem ser feitas de maneira virtual. Após o surgimento da escrita, os textos se separam do contexto vivo em que foram produzidos. (…). A hipótese que levanto é a de que a cibercultura leva a co-presença das mensagens de volta a seu contexto como ocorria nas sociedades orais, mas em outra escala, em uma órbita completamente diferente. A nova universalidade não depende mais da auto-suficiência dos textos, de uma fixação e de uma independência das significações. Ela se constrói e se estende por meio da interconexão das mensagens entre si, por meio de sua vinculação permanente com as comunidades virtuais em criação, que lhes dão sentidos variados em uma renovação permanente. (LEVY, 1999, p.15)
(…) É a informação quebrando inúmeras barreiras, alavancada pela internet, um meio comunitário e igualitário, capaz de unir pessoas separadas por um “abismo” cultural e geográfico. Nota-se, portanto, que a quebra da barreira espaço-temporal não é uma exclusividade da internet e dos telefones móveis, porém, um de seus atrativos e diferencial, é o tempo real. Esta barreira do tempo e do espaço já não existe, mesmo para confecção do livro ou do filme. Porém, com a internet e o ciberespaço esta quebra é imediata, ao vivo. Por isso, o ciberespaço se apropria das qualidades das sociedades orais e as combina com as qualidades da linguagem escrita, tendo em vista que a internet é um meio de troca de informação e conhecimento, pode-se manter um diálogo, fazer perguntas, aglutinar informações através do conhecimento coletivo, minimizando assim os possíveis erros de interpretação. Com a quebra da barreira espaço-tempo, ocorre também o apogeu da “regionalização do conhecimento”, uma vez que não existem fronteiras espaciais e geográficas no ciberespaço; as informações trocadas via internet, em sua maioria, se dão de forma escrita, através de comunidades virtuais que Levy (1999, p. 27) define como “um grupo de pessoas que se corresponde mutuamente por meio de computadores interconectados”. Estas informações ficam guardadas ou arquivadas em e-mails, web logs, fóruns, disponíveis para acesso a qualquer momento.
Um dos atrativo mais marcante da internet é a liberação do pólo emissor de conteúdo. A linha fixa e precursora do mass media: enunciador, enunciado e receptor, assim como a barreira espaço-temporal, também foi quebrada. Na internet, produtor também é receptor e vice-versa. Através de um web log, miniblog, comunidade virtual ou outra das inúmeras maneiras de expressar a opinião na internet, qualquer pessoas pode se tornar uma formadora de opinião, quebrando assim a exclusividade que por longos anos foi privilégio de poderosos veículos de comunicação, que decidiam o que deveriam repassar ao público de acordo com o seu interesse. Por isso, afirma-se que a internet e o ciberespaço são meios comunitários e igualitários. Os tradicionais meios de comunicação tidos como de massa não são mais os únicos instrumentos formadores das idéias partilhadas pelos membros de uma sociedade. (…)
(…) A palavra chave desta era é a conectividade, a ligação entre as pessoas, que possibilita a transmissão de informações. Os indivíduos deixam de ser somente hospedeiros e repassadores da informação, tornando-se produtores de conteúdo. Através de web logs, paginas pessoais, e-mail, twitter, pessoas comuns, relatam suas experiências, seus anseios e divulgam suas opiniões sobre os mais diversos assuntos. (…) agora, muitos criam para muitos. “É a auto-geração de conteúdo, é a emissão auto-direcionada e é a auto-seleção na recepção por muitos que se comunicam com muitos” (CASTELLS, apud Schieck, 2006, p.3).
A internet e o ciberespaço chegaram para quebrar barreiras espaço-físico-temporais. Para “unirem-se” as pessoas não mais necessitam estar em um mesmo ambiente físico, basta a vontade e a afinidade em algum assunto, sítios de relacionamento, web logs, e-mails. São inúmeras as possibilidades e campos de relacionamento abertos pela rede mundial de computadores. Uma comunidade virtual pode, por exemplo, organizar-se sobre uma base de afinidade (…). Apesar de “não presente”, essa comunidade esta repleta de paixões e de projetos, de conflitos e de amizades. Ela vive sem lugar de referência estável: em toda parte onde se encontrem seus membros móveis… ou parte alguma. A virtualização reinventa uma cultura nômade, não por uma volta ao paleolítico nem as antigas civilizações de pastores, mas fazendo surgir um meio de interações sociais onde se reconfiguram com um mínimo de inércia. Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação, se virtualizam, eles se tornam “não presentes”, se desterritorializam. Uma espécie de desengate os separa do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário. (LÉVY, 1996, p. 20)
Levy e Maffesoli discorrem sobre essas possibilidades comportamentais promovidas pela cibercultura de maneira muito semelhante, porém, com nomenclaturas diferentes. O primeiro, fala em comunidades virtuais, já o segundo, denomina este comportamento como tribalismo.
*Leia a Monografia na íntegra clicando AQUI
Fonte: https://grupopapeando.wordpress.com/2011/02/18/cibercultura/

A cibercultura na educação

A cibercultura na educação

Marcelo Mendonça Teixeira

Apesar dos evidentes benefícios para o processo de ensino-aprendizagem, devemos repensar a influência da internet e das novas tecnologias em nossa cultura, conscientes de seus pontos fortes e limitações,  como a falta ou a precariedade de acesso à rede.
 
O ciberespaço, responsável pela rede global de comunicação mediada, possibilita as relações tecnossociais atuantes na sociedade contemporânea, ampliadas por redes sociais: uma sociedade conectada, colaborativa, hipertextual, destituída de presencialidade física e apoiada por interfaces da Web 2.0, mais recente, por recursos da Web semântica e pela computação em nuvem. Outros tantos atributos são delegados ao universo virtual, assim como os problemas que dela fazem parte, como isolamento e sobrecarga cognitiva, informações duvidosas, dependência e infoex­clusão de milhares de pessoas que também querem fazer parte dessa cultura global, mas que, por algum motivo, geralmente de cunho econômico, estão longe de se tornar ciberculturais e integrantes de alguma geração digital.
 
O conceito de cibercultura 
A ausência de significado explícito na literatura nos condiciona ao étimo da palavra “cibercultura”. Assim, em sentido estrito, temos o prefixo “ciber” (de cibernética) + “cultura” (sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma determinada sociedade). No entanto, o ambíguo conceito sofre variações a partir do referencial etimológico, pois cada autor exprime uma conotação ideológica e descritiva própria que nem sempre é compartilhada por seus pares. Desse modo, optei por aqueles que se dedicam ao estudo das práticas tecnossociais da cultura contemporânea e de suas novas formas de sociabilidade, comutadas do mundo físico para o universo virtual (Teixeira, 2012a). 
 
Pierre Lévy, ao publicar A máquina universo (1987), lapida o conceito de cibercultura ao indagar questões pertinentes ao movimento sociotecnocultural em que a sociedade está inserida. Segundo o filósofo, este é um tema polêmico e multifacetado em que culturas nacionais fundem-se a uma cultura globalizada e cibernética, envoltas no ciberespaço e orientadas por três princípios: interconexão, comunidades virtuais e inteligência coletiva. Trata-se de um “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (Lévy, 2010, p. 17). As “técnicas” condicionam as interações sociais, mas não representam a cultura do ciberespaço, que se incorpora no espaço virtual-cognitivo das pessoas, na partilha de sentimentos, informações e saberes. Afinal, “a virtualização é um dos principais vetores da criação da realidade” (Lévy, 2009, p. 18). 
 
Desde o final da década de 1990, a introdução das tecnologias de informação e comunicação (TICs) na educação é aceita por sistemas de ensino em todo o mundo como uma epítome do desenvolvimento educacional na história da humanidade. Nesse sentido, os governos nacionais têm investido massivamente na compra de equipamentos, softwares e formação docente contínua, à medida que surgem recursos tecnológicos inovadores.
 
Em situação contrária, o país é rotulado como uma nação pobre e infoexcluída pelo International Bureau of Education, órgão da Organização das Nações Unidas para a Educação e a Ciência (Unesco) especializado em educação com o objetivo de facilitar a oferta de educação de qualidade em todo o mundo. Na verdade, criou-se um estigma globalizado que correlaciona o aparato tecnológico da escola, da universidade ou do centro de ensino à qualidade da educação, tornando-o sinônimo de mão de obra qualificada, mas nenhuma evidência científica lastreia o argumento de que as TICs são decisivas na aprendizagem de jovens e adultos, conforme Aviram (2000).
 
Não seriam facilitado­res? Aviram propõe que o desenvolvimento mais significativo que acompanha a revolução das TICs na educação ocorre fora da escola, refletido na impressionante quantidade de alunos que não estudam em casa nem pertencem a nenhum sistema formal de ensino (prática comum no Reino Unido). Citando o caso inglês, o autor conta que os membros da classe média acreditam que as chances para o progresso educacional de seus filhos são maiores em casa (com o auxílio de materiais didáticos e grupos de apoio baseados na internet) do que na escola. O mesmo se estende à universidade, dados os milhares de alunos matriculados em cursos de nível superior on-line. A Open University, por exemplo, tem aproximadamente 250 mil estudantes no Reino Unido, na Irlanda e na Europa (www8.open.ac.uk /about/main/).
 
O ciberespaço possibilita o autoaprendizado, facilita a interatividade e estimula a troca de informações e saberes, mas não garante o sucesso do aprendizado, comumente desmotivado pela falta de estímulo. Disso decorre a importância da escola e do professor como mediadores do conhecimento a ser construído, aliados às estratégias pedagógicas, materiais didáticos e metodologias de ensino. Ainda assim, particularidades por vezes desconhecidas, outrora ignoradas, fazem a diferença quando “lincamos” educação a cibercultura. Diante disso, Lemos (2003) indica novas possibilidades de socialização do conhecimento através de três leis da cibercultura: lei da liberação do polo da emissão, lei da conectividade e lei da reconfiguração.
 
A primeira refere-se a uma modificação no modelo de comunicação até então vigente (meio massivo unidirecional — um para todos) e cede espaço à comunicação interativo-colaborativa (meio pós-massivo multidirecional — todos para todos). A máxima é “tem de tudo na internet”, “pode-se tudo na internet”. A segunda define que a rede está em todos os lugares, generalizada, interligando tudo a todos. Mediante a crescente interconexão entre dispositivos de comunicação digital, amplia a troca de informações entre homens e homens, máquinas e homens e também entre máquinas e máquinas. A terceira é contrária à mera substituição de práticas e favorável a seu redesenho em face das novas possibilidades instrumentalizadas pelo ciberespaço, evitando a lógica da substituição ou do aniquilamento dos antigos meios, já que, em várias expressões da cibercultura, trata-se de reconfigurar práticas, modalidades midiáticas ou espaços sem a substituição de seus respectivos antecedentes (Lima, 2011; Lemos, 2003).
 
Uma educação cibercultural
Para a educação, urge que implementemos mudanças no ensino tradicional, secularmente institucionalizado, reconfigurando práticas educomunicativas de acordo com o novo cenário sociotécnico atual, frente à emergência de novas formas de comunicação interativa (muitos para muitos) e da miríade de conteú­dos informativos na rede. Doravante, acompanhar a evolução midiática e fazer uso tanto dos antigos quanto dos novos recursos comunicativos é um imenso desafio, congênere às peculiaridades de cada contexto educativo (situações ambientais e transformações da consciência coletiva em rede), obviamente, em sentido figurado, tendo em vista que a alfabetização midiática não está disponível a grande parte da população mundial.
 
Aos afortunados “nativos digitais” equivale a realidade mencionada: um universo virtual que suporta o processo de criação, produção e distribuição de produtos, informações e serviços; a inteligência coletiva, o hipertexto e a inteligência artificial; as interfaces síncronas e assíncronas de comunicação; as comunidades virtuais, a colaboração em massa e a interatividade em tempo real, onde as pessoas estão conectadas e o conhecimento é compartilhado (através de imagens, vídeos, textos, áudios) em escala global (Teixeira, 2012b). A cibercultura totaliza esse contexto, símbolo de um período da história da humanidade marcado pela comunicação eletrônica e pelas mídias digitais, influenciando, direta ou indiretamente, a educação e os modos de ensinar e aprender. 
 
A cibercultura também se faz presente na educação por meio de múltiplas linguagens, múltiplos canais de comunicação e em temporalidades distintas. As interfaces da Web 2.0, por exemplo, permitem um contato permanente entre escola, professores, alunos e seus pares no ambiente virtual de ensino. Sem fronteiras para o conhecimento, os conteúdos educativos são trabalhados interativamente na comunidade estudantil, de forma síncrona e assíncrona, com a possibilidade de produzir e compartilhar conhecimentos colaborativamente com qualquer outro estudante em qualquer parte do mundo.
 
Contudo, apesar dos evidentes benefícios para o processo de ensino-aprendizagem, devemos repensar a influência da internet e das novas tecnologias em nossa cultura, conscientes de seus pontos fortes e limitações, como a falta ou a precariedade de acesso à rede. Além disso, é fundamental avaliar a capacidade do estudante para utilizar as tecnologias propostas como instrumento de produção de conhecimentos transdisciplinares, e não apenas de informação, redefinindo a racionalidade comunicativa em estratégias educacionais no ambiente virtual.
 
Em outras palavras, a abstenção não é realmente uma opção para instituições de ensino, professores e gestores educacionais, já que a introdução das TICs na educação faz parte de uma revolução sociocultural mais ampla e profunda que está mudando a cultura do mundo contemporâneo. Quem deseja sobreviver profissionalmente a essas mudanças ciberculturais não tem outra opção senão adaptar-se à época em que vivemos, marcada por novos modos de comunicação, estilos de vida, identidades, entretenimento, interatividade às novas formas de ensinar e aprender.
 
A adaptação, porém, requer uma estratégia bem definida, com base em uma clara compreensão da nova cultura emergente, dos valores explícitos e objetivos educacionais, evitando o instrucionismo mecanizado. Por isso, torna-se necessária uma literacia informática prévia entre educadores e educandos, como meio de melhorar competências, conhecimentos, atitudes e perspectivas sobre o futuro da aprendizagem, que é cada vez mais colaborativa. Os consumidores tornam-se produtores e os produtores tornam-se consumidores de conteúdos, bens e serviços, em um novo modelo econômico planetário, sem restrições ou barreiras, induzido por um processo contínuo de colaboração massiva (Tapscott e Williams, 2010).
 
Portanto, o conceito de cibercultura está em permanente transformação, com muitas conotações, idealizadas notoriamente pelas práticas tecnossociais da cultura contemporânea e de suas novas formas de sociabilidade no universo virtual, ou seja, uma virtualização cultural da realidade humana, fruto da migração do espaço físico para o virtual mediado pelas TICs e regida por códigos, signos e relações sociais dentro e fora dos espaços escolares. 
 
NOTA
1. O autor agradece à Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal (FCT), ao Programa Operacional Potencial Humano de Portugal e ao Fundo Social Europeu.

Fonte: https://www.grupoa.com.br/revista-patio/artigo/9258/a-cibercultura-na-educacao.aspx