Perguntas complexas, às quais as respostas e aplicações são a chave do sucesso no mundo 2.0 – próximo do estágio 3.0 -, e que, de acordo com Gil Giardelli, são quase impossíveis de prever e contornar se não houver um segundo passo dentro das estratégias de inclusão digital e na administração e crescimento da massa de consumo que surgiu no País nos últimos quatro anos.
Giardelli é professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), já palestrou em mais de 700 eventos sobre marketing, publicidade, internet e mídias sociais, entre vários outros temas. É também co-fundador da agência Gaia Creative e da GVenture.
Abaixo, está um pequeno bate-papo sobre mídias sociais, educação, empreendedorismo, colaboração, crowdsourcing e diversos outros temas que, em suma, estão em momento “beta” no mundo corporativo nacional.
CRN Brasil – Como as empresas podem se posicionar nas mídias sociais, um ambiente em que todos querem inovar, mas que muda todos os dias?
Gil Giardelli – Primeiro temos que entender o que está acontecendo com o nosso mundo digital. O Brasil, apesar de ser o segundo país no Youtube, o primeiro em tempo no Facebook, ainda vive uma grande infância digital. E nessa infância, as pessoas acham que estão num vale-tudo.
Em todo lugar que existem mídias sociais de negócios, como o crowdsourcing, inicialmente se cria um conflito, mas depois começam as convergências. E aqui no Brasil, a minha impressão é que as pessoas só querem brigar e bater nas empresas, e também nas pessoas.
Aquele homem cordial que Sérgio Buarque de Holanda escreveu em Raízes do Brasil (1936), na internet é um totalmente brigão. E isso causa um processo em que as empresas param de inovar, pois qualquer ação é uma grande briga.
CRN Brasil – Existe um exemplo recente disto?
Giardelli – Na Campus Party deste ano, (o ambiente) estava super quente e a Sabesp disponibilizou um caminhão pipa com água, juntou umas meninas bacanas, uns copos e foi servir o pessoal. Virou motivo de chacota, pois é mais divertido tirar sarro do que falar bem.
Com este cenário, temos que repensar como estamos usando as redes. Vivemos a primeira infância. 99% do conteúdo gerado pelos brasileiros é uma grande bobeira, só querem falar de sutilezas da vida, coisas totalmente irrelevantes.
CRN Brasil – Parece que as pessoas não usam as mídias sociais a favor, mas sim como um livro aberto.
Giardelli – O Brasil não está despertando coisas legais da internet, como o social good, que são uma série de projetos que acontecem no mundo através das mídias para fazer coisas diferentes, campanhas, informativos, comunidades…
Quando você olha o comportamento do consumidor na internet – e é um pouco triste de ver –, gera questionamentos do tipo “É só isso que temos a oferecer?”.
CRN Brasil – Em tese, as mídias sociais ajudariam a inovar dentro das empresas. Como fazer para inovar num momento em que não se sabe como ser bom ou ruim; no qual os feedbacks podem ser totalmente depreciativos, sem a total compreensão da proposta pelo usuário?
Giardelli – Existem alguns problemas até chegar a este ponto. Um deles é que as empresas entraram nas mídias digitais, pensando em algo como “vamos montar uma equipe bacana. Simples”. Só que as redes estão gerando tantas reclamações de tudo, em que até pequenas mentiras surgem no caminho, que forçam a equipe a se tornar gigantesca em número de pessoas.
O que acontece com as companhias que veem este cenário: elas começam a olhar valores financeiros e medir parâmetros como “quanto vale a pena estar lá?”, “qual o tamanho da equipe que precisamos ter?”, pois entrar mais ou menos não dá. Eu tenho acompanhado alguns projetos em que as empresas vão aos poucos às mídias, monitoram todo o ecossistema, para depois fazer um planejamento.
Aqui no Brasil, como conceito de negócios, temos duas vertentes que devem ser estudadas. Primeiro: mídias sociais devem servir para fazer serviços, oferecer benefícios. Segundo: passamos da fase do marketing. Não se trata de apenas fazer uma fan page no Facebook, mas sim de ofertar um material diferenciado por lá, e não replicar conteúdo.
Mas aí está o contraponto: essas ações geram a necessidade de mais profissionais, mais custos, e a conta não está fechando, os investimentos não estão sendo suficientes.
“O grande problema é que atualmente somos a geração dos distraídos, perdemos tudo que acontece em volta, pois nos focamos em estar conectado e não mais ligamos para o que está acontecendo ao redor, como um todo”
CRN Brasil – Tem o fazer mais com menos, mas também há a questão das pessoas não saberem se portar frente às mídias sociais, e as empresas estão perdidas, pois não sabem qual feedback devem capturar das redes.
Giardelli – Eu acho que estão perdidas, mas até mais que isso: elas estão completamente assustadas. A reação das pessoas na web é diferente.
Eu acho que a web social nasce para que as pessoas tenham voz, mas partimos para um modelo em que as pessoas só sabem xingar e não interagir. Existe um véu que está cobrindo as pessoas, e isso faz elas acreditarem que podem fazer de tudo lá.
E aí, aquele lugar que deveria ser uma conversa entre a empresa e a pessoa – não o consumidor -, virou um ringue de MMA (Mixed Martial Arts, ou Artes Marciais Mistas, na tradução literal), pois se xinga e ofende muito. Somos um dos poucos países que ainda está nessa infância perdida.
CRN Brasil – E como lidar com mídias sociais e colaboração, sendo que as empresas estão com medo?
Giardelli – O lance é que existe uma coisa aqui do Brasil muito diferenciada. Com todo o respeito, temos que falar de sutilezas da vida, claro, mas só temos um assunto? As mídias sociais parecem um depósito de besteiras.
Por exemplo, só se fala, discute e ofende devido ao futebol, e o fato é que ninguém briga ou discute por sermos o 85º em educação, ou por termos perdido cinco posições no ranking de inovação, chegando ao 58º… Mas somos o primeiro a falar da Libertadores. A discussão não é falar de futebol, mas sim a mentalidade e consistência da discussão. Parece que não existe tempo para falar de coisas que nos atingem mais que a bola.
CRN Brasil – Mas isso é um problema de educação, certo? O Governo investiu muito na inclusão digital, mas não na educação digital, e a falta disso causa o fato dos usuários brasileiros não saberem usar a internet a favor.
Giardelli – Realmente, concordo com você. A falta de educação na base vai fazer com que ele use qualquer coisa de uma maneira que não é a correta ou ideal. E nós estamos muito mal nesse processo, vivendo num mundo onde as pessoas usam o Thumbler para expor fotos das unhas e não ideias.
Nada contra, acho bacana, mas só temos isso? São poucas as iniciativas para colaboração e crowdsourcing que realmente existem ou funcionam.
CRN Brasil – Então, quando você diz que as empresas estão assustadas, é muito por serem reféns da falta de direcionamento ou usabilidade das redes sociais?
Giardelli – Exatamente. Parece a tomada da Bastilha (França, 1798, Revolução Francesa), em que os usuários só dizem “odeio sua empresa”, “todas as marcas grandes são ruins”, “a Microsoft e a Apple são péssimas”. “Vamos falar mal” é a lei.
Parece que ninguém entende – ou não quer entender – que empresas são feitas de pessoas e elas cometem erros. E esse cenário faz com que todo mundo fique com medo. Vivemos um momento de terror nas mídias sociais no Brasil, pois as pessoas que poderiam fazer a diferença estão apenas brigando.
CRN Brasil – E como fazer diferente hoje? Em tese eu posso ter a melhor proposta do mundo, mas esses usuários, que não entendem e não interpretam, vão negativar isso, tornando a coisa genial um fracasso. Como lidar?
Giardelli – Qual é o problema do Brasil nesses termos e falando também de economia? Tivemos um crescimento econômico, mas foi totalmente voltado ao consumo, não refletiu em crescimento cultural.
O crescimento bacana para um País é quando você deixa o cara comprar um carro, mas também o estimula a assinar uma revista ou comprar livro. Hoje, o Ministério da Educação (MEC) diz que o brasileiro consome quatro livros e meio por ano, mas isso é uma grande mentira, pois esse número é de 0,9. Sabe por quê? Pois os outros 3,6 são livros comprados pelo Governo e distribuídos nas escolas. Então, o que vai comprovar que foi lido? Sabemos que 0,9 são os livros comprados em livrarias, e esta é a métrica real.
O que está acontecendo: o consumo está crescendo, mas não vemos o consumo de educação. Falta um processo de investimento em educação, que refletirá na internet e, consequentemente, no relacionamento online.
CRN Brasil – Foi errado investir em inclusão digital e não em educação digital?
Giardelli – Não foi errado. A inclusão digital foi muito importante, porém, depois da inclusão, não houve uma segunda etapa. Agora as pessoas têm email, Facebook, Twitter, mas…é nisso que erramos como sociedade, pois nos deixamos contentar e agora enfrentamos isso.
CRN Brasil – Como a colaboração, o crowdsourcing, podem mudar esse cenário?
Giardelli – O crowdsourcing está chegando ao Brasil como crowdacting, que são as atitudes que estão movendo e transformando a rede para melhorar o atual cenário. E isso está fazendo a diferença. Mas, mesmo assim, hoje enfrentamos um problema aí: usaram o crowdsourcing para fazer inovação na publicidade, criar produtos mais direcionados, e só. O ideal – ou utópico no momento – seria desenvolver ambientes onde poderíamos criar e compartilhar ideias e ações para uma cidade inteligente, transporte público inteligente…Esse processo também tem que ser revisto.
Novamente batemos na mesma tecla: a inclusão digital foi muito importante, mas agora está faltando a educação de base.
CRN Brasil – O crescimento da classe C gerou o alto consumo…
Giardelli – De cerveja, carro e celular…
CRN Brasil – O Facebook virou negócio, o Twitter caminha neste rumo, mas nenhum deles conta com uma estratégia assertiva, a não ser a publicidade online. Mas isso não sustentará ambos por muito tempo. Aí, temos essa falta de educação na internet, em que não há interação, mas só reclamação, e as empresas gastam muito e ficam reféns do usuário. Para você, onde está o erro?
Giardelli – (Silêncio)… É, não é questão da internet, pois ela está sendo o espelho da nossa sociedade. E nossa sociedade, no geral, tem a profundidade de um pires e a complexidade de um avião, essa é a verdade.
E até as pessoas que dizem ser especialistas neste mundo digital estão me espantando no modo equivocado como estão fazendo os movimentos.
O erro está na base. Não podemos culpar as empresas, pois elas estão tentando, os usuários estão usando e a maturidade uma hora chega.
CRN Brasil – Existe algum país-modelo na utilização da internet para poder comparar com o Brasil – até pensando em termos econômicos?
Giardelli – A Inglaterra é assim, somos muito parecidos em termos de juventude e pujança; o Chile também está fazendo um ótimo trabalho em empreendedorismo, que tem refletido no país como um todo.
Aliás, falta de empreendedorismo reflete bastante o nosso atraso. Um exemplo do quanto: estava caminhando no centro de São Paulo e, perto da São João com a Ipiranga, está um prédio gigantesco da Caixa, há anos desativado. Aquilo lá não poderia virar um prédio para novas startups? Não poderia ser usado para comportar empresas que queiram inovar? A iniciativa privada brasileira caminha bem neste mundo de investimento em novas empresas, mas o governo estacionou.
E aí, voltamos a falar de ambientes empreendedores que mostram economicamente os mesmos parâmetros que nós, mas muito mais vontade de modificar. Falávamos apenas do Vale do Silício (Califórnia, EUA) como ponto focal de startups, mas a Inglaterra, Chile e Bangkok se movimentaram, e o Brasil está andando muito lentamente. A educação também vem por um processo de empreendedorismo.
CRN Brasil – Mas o que você falaria para um empresário que está se digladiando com as mídias sociais, que faz uma série de investimentos e não vê o retorno. O que seria o ideal? Como trabalhar com uma equipe com alto conhecimento das redes sociais e transferir para um público que não compreende, em sua maioria, a proposta? Existe uma “saída”?
Giardelli – A saída é o mundo empírico, em beta. Fazer, errar, fazer novamente. Sempre refazer e aprender. Está tudo tão novo, que ainda não há um manual de boas maneiras. A questão é sempre pensar no motivo de estar online e o propósito das ações. É o momento dos riscos: assume quem estiver disposto a investir tempo e dinheiro, sem pensar no retorno imediato, mas sim na educação de seu consumidor, que, assim como a equipe, é uma pessoa que pode errar, mas que faz uma diferença enorme no balanço da empresa.
O que está acontecendo: o consumo está crescendo, mas não vemos o consumo de educação. Falta um processo de investimento em educação, que refletirá na internet e, consequentemente, no relacionamento online
CRN Brasil – Há algo que indique que as pessoas estarão maduras para as redes sociais em algum momento?
Giardelli – Acredito que vamos ter, mas será na base da pancada, do aprendizado. O momento exato é lúdico, todos vão caminhar. É uma infância. Vamos cair, tomar ponto. Estamos na primeira infância, somos bebês das redes sociais por enquanto. Aos poucos, as pessoas vão aprender a tirar proveito das redes e distinguir os momentos para trabalhar nelas.
O grande problema é que atualmente somos a geração dos distraídos, perdemos tudo que acontece em volta, pois nos focamos em estar conectado e não mais ligamos para o que está acontecendo ao redor, como um todo. Quem conseguir fazer o consumidor olhar ao redor, fará a diferença.
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