domingo, 30 de outubro de 2011

Redes para educar


Entrevista com Sônia Bertocchi.

Com forte potencial para aplicações educacionais, as redes sociais ainda não ganharam status como instrumentos pedagógicos. falta compreensão de que a metodologia deve vir antes da tecnologia. Áurea Lopes

ARede nº 74, outubro de 2011 - Muitos pais e educadores não sabem o que são, de fato, as redes sociais. Ficam imaginando o que acontece nesse “lugar” de onde os jovens não arredam pé e onde acontecem casos de polícia, com os quais a mídia convencional “amedronta professores e pais”, como diz a educadora Sônia Bertocchi. Redes sociais são espaços de encontro, com enormes possibilidades de estimular e enriquecer a aprendizagem, alerta a especialista, que vai tratar desse tema em novembro, durante o 6º Encontro Internacional EducaRede, em Madri, promovido pela Fundação Telefônica - evento que ajuda a elaborar. Nesta entrevista, Sônia alerta: “O primeiro passo é estabelecer uma diferença entre tecnologia e metodologia. Hoje, a preocupação maior é com a tecnologia”, aponta.

Você pode explicar o conceito de rede social? Dá para fazer uma analogia, por exemplo, com a rua de antigamente. Um lugar onde se encontrava os vizinhos, os amigos?
Sônia Bertocchi – Para mim, é bastante simples: trata-se de uma plataforma. Um conjunto de ferramentas que facilitam a comunicação entre pessoas. Essa plataforma coloca as pessoas em contato umas com as outras. Portanto, uma rede social é, sim, um espaço de encontro. Mas é acima de tudo uma ferramenta que proporciona a possibilidade de comunicação, de contato. Só que a rede, em si, não é responsável pelo contato. O fato de existir a plataforma não significa que aconteça o contato, o relacionamento, como a gente imagina que vá acontecer. Por exemplo: eu clico em tal botão, me comunico com um amigo e esse amigo me indica outro amigo. 
A ferramenta facilita o contato. Mas não quer dizer que eu vou ficar amiga do amigo do meu amigo. A mesma coisa acontecia na rua. Eu conheço o Joãozinho, que me apresenta o Luizinho. Eu posso ficar ou não amiga do Luizinho. Só que a tecnologia potencializa essa rede de amigos, no tempo e no espaço. Mas não vejo a rede social como uma coisa nova. As pessoas se relacionam do mesmo jeito. Assim como as mulheres sentavam na calçada para conversar sobre o almoço, os filhos, contavam da vida. 
Os homens iam para o bar, falavam de futebol, de trabalho. Isso acontece hoje, no mundo virtual, por meio das redes segmentadas. 
Se eu quero falar de trabalho, tenho o Linkedin. 
No final de semana, falo de coisas mais leves no Orkut.

Quer dizer que cada rede social tem sua vocação?
Sônia – Mais ou menos. O perfil da rede social tem a ver com o momento em que foi lançada. O Orkut foi pioneiro, ficou mais popular. Depois veio uma ferramenta mais completa, o Facebook, com funcionalidades mais sofisticadas, controle maior de privacidade. Então as pessoas mudaram. Aí a coisa ficou bem avançada, cheia de botõezinhos para clicar e surgiu algo bem simples, como o Twitter. De repente, vem outra solução, que reúne Orkut, Twitter, Facebook no mesmo espaço... O novíssimo Google+ faz tudo isso e ainda permite formar círculos de interesse comum.

O público é diferente de uma para outra?
Sônia – De certa forma, sim. Mas existe também a migração de uma rede para outra. O Twitter, por exemplo, era para jovens. Hoje é para adultos (ver página XX). Não existe uma pesquisa sobre isso, mas eu intuo que seja pela dificuldade que o jovem tem de fazer sínteses. Outro exemplo: até o mês passado, o Orkut era o preferido entre os brasileiros. Agora, é o Facebook.

As redes sociais servem para educar?
Sônia – As redes sociais são instrumentos pedagógicos riquíssimos. Não tem como ir contra uma tecnologia em que o jovem pode ter voz, ser autor. Mas ainda não há nada sobre essa tecnologia nos currículos oficiais do ensino público. Existem iniciativas isoladas. Por exemplo, na cidade de São Paulo, o secretário de Educação, Alexandre Scheinder, é tuiteiro, tem afinidade com as novas tecnologias. As escolas da rede paulistana têm mais facilidade para emplacar ações, projetos que usem redes sociais. Ou seja, ele não cria barreiras, é permitido usar rede social na escola... Na cidade do Rio de Janeiro, a secretária de Educacão Claudia Costin também tuita, ela própria, não tem um avatar. Ela fala direto com os professores, desde as seis da manhã! E o que aconteceu? Hoje você tem uma rede da educação na cidade que se formou espontaneamente.

Não existe o receio dos professores em expor os alunos em redes sociais?
Sônia – Existe um tabu. E acho que a mídia é responsável por amedrontar professores e pais, porque a imprensa tradicional só divulga casos negativos. No conjunto, esses casos, de polícia, de crimes sexuais contra menores, de roubo de dados pessoais etc. dão a impressão de que nas redes sociais só acontece esse tipo de coisa. Não é verdade. Na rede, acontecem coisas boas e ruins, como na vida real. Tudo depende do uso que você faz da rede, assim como depende do uso que você faz do celular, ou de como você se comporta na balada... Você não vai deixar de sair de casa porque pode ser sequestrado na porta do barzinho. Você tem de estar ciente dos riscos e aprender a se proteger. O mesmo acontece na rede social. A solução é colocar em debate, com os jovens, as questões da rede – ética, valores, respeito, segurança... Fora isso, muitas escolas montam suas próprias redes, fechadas. Existe a plataforma Ning, por exemplo – que já foi gratuita, hoje é paga – mas que é viável e pode abrigar outras ferramentas, com controle sobre a rede escolar.

O professor está preparado para orientar os estudantes no uso cidadão da internet?
Sônia – Para começar, o professor reclama – ah, mas eu vou ter mais essa tarefa? Vou ter que cuidar de mais esse conteúdo? Ora, o professor já faz isso! Não dá noções de segurança no trânsito, não dá educação sexual? A cultura digital faz parte da vida, hoje. Por isso eu digo que cultura digital deve ser tema curricular. É preciso ensinar a fazer parte do mundo digital. De fato, o professor não sabe como lidar com essas questões de cidadania digital. E só vai saber quando se trabalhar isso. As escolas particulares estão mais avançadas nesse sentido porque o uso das tecnologias na Educação privada está mais desenvolvido. Portanto, esses educadores já estão precisando lidar com questões de fundo, como crimes cibernéticos. Isso também é formação. Trabalhar a questão de participação social, ética... você não precisa dar uma aula teórica de ética, nem usar exemplos do jornal. Você pode colocar todo mundo em uma rede social e criar uma situação que permita vivenciar a ética. É o aprendizado pela vivência: como eu me comporto, o que eu digo, o que eu posso dizer, o que eu não devo, a minha liberdade de expressão, a do outro...

Nos conteúdos curriculares formais, de que forma as redes sociais podem melhorar o aprendizado?
Sônia – Bem, primeiro gostaria de ressaltar que cidadania, hoje, também deve estar no currículo. Mas, no que se refere às disciplinas tradicionais – português, ciências etc. –, a gente sempre prevê o uso de redes sociais atreladas a uma proposta pedagógica. Como uma ferramenta de comunicação, de publicação de conteúdos, de produção de alunos. Aí entra o professor. Ele tem a intencionalidade pedagógica e pode enxergar, em cada ferramenta, o potencial para desenvolver determinada aprendizagem. Por exemplo: eu quero um recurso de vídeo porque espero que meu aluno desenvolva a criticidade, a habilidade de se expressar por meio de imagens. Mas também uso o Facebook porque quero que ele escreva, que aprenda a fundamentar um ponto de vista e o Face tem espaços maiores para isso. Mas eu também acho importante difundir esses conteúdos para muita gente, que é uma forma de contemplar a diversidade de opiniões, enriquecer o debate. Então, uso o Twitter. Uma aplicação que está crescendo é o tuitencontro. O professor cria uma hashtag, marca um horário e os alunos entram no Twitter para um debate. Pode-se convidar um especialista para participar. A vantagem é que isso está aberto, outras pessoas podem entrar, contribuir para a reflexão. Outra ação interessante é a online mobilização ou a tuitagem coletiva. Os alunos participam de mobilizações do tipo doe sangue, em defesa da ficha limpa, pela preservação da mata Atlântica, gerando movimentos na escola. Esse recurso é excelente porque você consegue fisgar o jovem pela natureza dele, que é a vontade de participar, de ser ativo.

Como conquistar os professores para trabalhar com redes sociais se grande parte ainda não consegue usar sequer desktops ou notebooks em sala de aula?
Sônia – A base de tudo é a metodologia. O primeiro passo é estabelecer uma diferença entre tecnologia e metodologia. Hoje, a preocupação maior é com a tecnologia. Se você propõe a um professor utilizar um Ipad, ele responde: eu não sei usar o Ipad, não conheço as funções. Aí o professor diz que precisa de formação, de treinamento para dominar a ferramenta. Isso acontece porque ele só está olhando para a tecnologia. O professor tem de se preocupar, da mesma forma, com a metodologia. Olhar para o dispositivo não como um aparelho. Mas a partir das funcionalidades possíveis. Então, é olhar e pensar: esse dispositivo facilita a comunicação. Assim não se está mais pensando em um equipamento, mas em um conceito. Eu quero que meus alunos se comuniquem? Quero. Por que não usar uma tecnologia que potencializa isso? Eu continuo querendo que meu aluno aprenda a ler, que aprenda geografia. Na medida em que os educadores começarem a enxergar mais a metodologia, por trás do equipamento, vai ficar mais fácil quebrar essa resistência. Atualmente, o que mais falta é alguém que pense nas metodologias.

Garantir condições para o uso eficaz das tecnologias na escola não é responsabilidade dos gestores da Educação, do poder público?
Sônia – Sem dúvida, é uma questão de política pública. Quando começou a internet, o que o poder público resolveu fazer primeiro? Comprar máquinas. Montar salas. Achou-se, com isso, que o problema estaria resolvido. Aí passou essa fase, está tudo equipado... e vem a pergunta: o que fazer com os equipamentos? Essa é a fase seguinte – vamos formar o professor. Só que foi pulado um pedaço. Pulou-se o coordenador pedagógico, o diretor da escola, o secretário de Educação... Ficou um buraco aí no meio. E, na escola pública, o professor não tem autonomia. Se ele não tiver apoio dos gestores, pouco acontece. É o gestor que vai determinar o esquema de uso Do laboratório, liberar o acesso a redes sociais, conseguir recursos para manter a infraestrutura, contratar a banda larga, determinar horas-atividades para o professor fazer seu projeto online... Além disso, a figura do coordenador pedagógico é muito importante porque é ele que vai construir a metodologia junto com o professor.

Os professores da escola pública têm condições de acompanhar o ritmo da evolução das tecnologias? Eles mal receberam os laptops do programa Um Computador por Aluno e o ministro da Educação já fala em tablets...
Sônia – Está havendo uma forte pressão em cima dos professores para se apropriarem dos equipamentos. E, desse ponto de vista, o problema só cresce. Veja, os computadores do ProInfo chegaram, ficaram velhos, e agora estão chegando os dispositivos móveis... laptops, celulares. Em muitos lugares, não tem computador, mas todos os alunos têm celular, com pacotes de dados baratos, acessíveis a todos. Por isso, hoje não se fala mais em computador, mas em telas digitais. Só que a história é a mesma. O que fazer com as telas digitais? A resposta é oferecer aos professores formações continuadas, que contemplem as questões de metodologia.

Não existe também uma resistência do professor, que precisa ser vencida?
Sônia – Sem dúvida. Conheço professores de 27 anos que acham que rede social é “coisa da nova geração”. Eu tenho 60 e acho que é da minha geração, do meu tempo. Eu tenho que encarar o caixa eletrônico no banco, tenho de mandar o Imposto de Renda pelo site da Receita Federal... então, a tecnologia é coisa do meu tempo. Acho uma irresponsabilidade o professor que se nega a absorver esses recursos. Eles ficam bravos quando eu falo, mas isso acontece com frequência. Penso também que o professor precisa conquistar as coisas. Na vida, não dá para ficar só esperando, cobrando do governo melhores condições, de braços cruzados. Hoje, a sociedade se mobiliza – em grande parte, pelas TICs – para colocar suas demandas. E consegue vitórias. Derruba projeto de lei, adquire direitos... São os movimentos sociais. Na escola, tem de ser assim. Primeiro, se interessar; depois, se organizar; e então, reivindicar. Os projetos que eu tenho visto dar mais certo são aqueles em que o professor toma a iniciativa, começa a desacomodar o diretor, a “criar o problema”.

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