terça-feira, 7 de junho de 2011

Pesquisador defende que a interatividade abre espaço para uma nova forma de educação, muito mais colaborativa



por Marcelo Modesto
Disponível em: https://www.institutoclaro.org.br/entrevistas/pesquisador-defende-que-a-interatividade-abre-espaco-para-uma-nova-forma-de-educacao-muito-mais-colaborativa/

Professor Marco Silva, da UERJ, defende a formação continuada dos professores

As mudanças na forma como nos comunicamos e nos informamos promoveram, nos últimos anos, novas oportunidades e desafios para a sociedade. Para o professor Marco Silva, da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), essas transformações impactam a educação de forma contundente, de tal maneira que a escola como a conhecemos estaria com os dias contados. Para Silva, que é sociólogo e doutor em educação pela USP, as escolas e os professores ainda estão presos ao padrão das comunicações de massa, enquanto a revolução das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) impulsiona o mundo para um novo modelo comunicacional: o da interatividade. Com dois livros publicados e o portal Sala de Aula Interativa, Silva conversou com o Instituto Claro sobre a formação de docentes para esse novo mundo e os conceitos de interação e interatividade. Confira a seguir:

Como você vê a interatividade?

Marco Silva - Antes de mais nada, esse conceito é muito utilizado mercadologicamente. Qualquer coisa que você fala que é interativa já cria uma adesão social. É uma palavra mágica, que está em sintonia com o espírito do tempo. Só isso já é um fenômeno curioso, e os teóricos da cibercultura explicam dizendo que o social - que sempre viveu como espectador de tudo - agora é coautor. Com os computadores, os celulares e as redes sociais que permitem esse tipo de coautoria e colaboração, vivemos um tempo em que o perfil comunicacional dos usuários está mudando. Essa transformação já foi desejada por muitos teóricos e artistas, como Augusto Boal [dramaturgo] ou o próprio Brecht [Bertolt Brecht, dramaturgo], e eu faço questão de discutir esse conceito por essa relevância. Porém, é preciso que nós, para entendermos melhor a cibercultura, busquemos uma palavra para explicar o que está em emergência agora. O que é? Uma nova dinâmica comunicacional, que não é a simples interação. Essa palavra, “interação”, carrega uma carga semântica muito grande: é usada na biologia, na física, na psicologia, entre outras áreas. Na comunicação, você tem interação entre o espectador e a TV, por exemplo. Mas não é isso que entendo por interatividade, que é quando o espectador vira coautor da mensagem e do processo comunicacional. Isso supõe algo mais que meramente assistir passivamente.

Nesse sentido, interatividade diz respeito às tecnologias da web 2.0?

Silva - Sim, totalmente. A web 2.0 requer mais interatividade. Antes, você tinha um portal como centralidade, e ali o internauta podia navegar, fazer downloads e, dificilmente, conseguia agregar valor àquele conteúdo. Já com os blogs, o Twitter e as redes sociais, supõe-se uma presença mais autoral dos internautas. E é para definir essa presença coautoral, que é mais imersiva, mais criativa e mais colaborativa, que aparece a importância da palavra interatividade, justamente para marcar esse diferencial comunicacional que está em emergência.

Como você acha que o professor deve se preparar para adequar sua atividade docente a essa interatividade?

Silva - A primeira coisa que ele precisa ver é que as novas gerações já trazem essa demanda por uma postura comunicacional diferenciada. O professor, em geral, ainda age de acordo com aquele modelo da TV, ou seja, dos meios de comunicação de massa, pois a escola é mais uma mídia de massa. A sala de aula, como nós a conhecemos, é um lugar de espectadores diante de pacotes de informação, ou seja, o conhecimento. É preciso que o educador se dê conta disso, do quanto isso é prejudicial para a educação cidadã, democrática e colaborativa. A sala de aula está baseada no espectador separado do professor, e nós sabemos que os professores nem sempre gostam da intervenção do aluno. Mas ele precisa se dar conta de que esse modelo unidirecional, que está presente nos meios de massa e também na escola, precisa ser modificado. Temos de apostar na educação colaborativa, cidadã, participativa, como defendiam teóricos como Lev Vigotsky, Paulo Freire e Anísio Teixeira.

E por que isso só emerge agora?

Marcio Isensee
Silva - Esses teóricos não tiveram muito sucesso porque a sociedade estava imersa em um paradigma comunicacional implacável, da comunicação em massa, além das próprias teorias tradicionais da educação. O educador precisa ver que na cibercultura existem mídias sociais que estão imprimindo uma nova cultura participativa e colaborativa. Se o professor se dá conta disso em profundidade e tem elementos em sala de aula que o ajudam, é hora de dar um passo para fazer essa mudança profunda.

Você acredita que o professor é o ponto-chave da mudança na aprendizagem?

Silva - Sim, desde que ele tenha uma formação qualificada e atenta ao espírito do seu tempo. Porque tem muita formação que não faz nem cócegas no problema, que é o paradigma comunicacional. Até os anos 1990, estivemos imersos na unidirecionalidade. A era do rádio e da TV cristalizou isso. Agora, com a cibercultura, podemos reavivar o grito de muita gente que ficou engavetada, porque esse grito não encontrava eco na sociedade. Agora temos os meios e nos damos conta de que Vigotsky e Paulo Freire falavam isso. A diferença é que não temos somente a fala desses grandes mestres, temos o espírito do tempo.

Os professores que estão hoje nas escolas foram formados no paradigma da comunicação unidirecional. É possível haver uma mudança mesmo considerando isso?

Silva - Sim. Repare, é preciso considerar que o ser humano é prático, pode ser autocrítico e repensar sua condição e seus processos. Mas é preciso pensar a formação que é necessária para fazer essa virada. Eu tenho trabalhado com formação de professores e posso falar com tranquilidade: nós temos feito mudanças. A formação não é uma palestra de fim de semana, são oficinas continuadas. Formar é fazer com que o sujeito reflita sobre sua prática e exercite a mudança. Isso não se faz em uma conferência de três horas, isso é doloroso, pois as pessoas já têm os seus processos. Não basta ter a percepção, tem que ter a vontade de mudar. Muitos professores perderam a vontade de ousar, mas é preciso mudar essa postura, fazendo a diferença no dia a dia.

Pensando no aluno, qual o papel dele dentro dessa nova realidade?

Silva - O professor que faz a diferença mexe com o aluno. O estudante não vem mais para a escola como nossos avôs. Ele vem para falar, bagunçar e participar. Está acostumado com o videoclipe, com games interativos e esse aluno chega com uma aparelhagem cognitiva diferenciada. Uma vez que o educador se der conta desse novo cenário, ele verá que esse aluno é muito mais interessante do que aquele dócil. O estudante que sai da LAN house e vai para a escola chega mais propenso à interatividade e à colaboração. Mas, muitas vezes, ele sai do videogame interativo e encontra o professor reproduzindo velhos esquemas engessados. É necessário, então, que o educador faça a diferença.

As instituições de ensino, elas estão preparadas para essa mudança?

Silva - As escolas estão meramente colocando computadores na sala de aula ou no laboratório de informática, mas só isso não adianta. Muitos professores não são incluídos digitalmente e não sabem como usar aquilo. Então, a formação continuada requer também a adequação de laboratórios, para fazer com que os docentes gostem de computador, games e de navegar na web. Tenho um exemplo bem interessante: chegaram vários computadores em uma escola, e uma professora perguntou o que faria com aquela caixa vazia. O que essa professora disse? Que ela está acostumada com a TV, onde há vários conteúdos e ela só os mostra. O equívoco dela é não ter formação para, com sua autoria, postar naquele computador conteúdos educacionais, além de procurar conteúdos em portais e redes sociais, por exemplo. Essa professora, revelando a precariedade da sua formação, denuncia o problema: distribuir computadores por si só não promove educação na cibercultura.

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