O sociólogo brasileiro Bernardo Sorj concedeu uma entrevista, inserida no livro Educación y tecnologías: las voces de los expertos (2011), que você pode ler abaixo.
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Qual é ou qual deve ser o papel do Estado na inclusão e na alfabetização digital?
O Estado deve assumir um papel na promoção da inclusão digital em relação inversa à penetração efetiva de computadores nos lares. Como realizar essa inclusão digital depende do contexto.
Em certos casos, trata-se de assegurar a infraestrutura física em lugares distantes que não interessam à iniciativa privada. Em outros, de promover a redução de impostos para que as pessoas possam comprar computadores ou instalar telecentros. E, finalmente, a criação de laboratórios nas escolas, incluindo, quando for possível, a distribuição de computadores para os alunos.
Em relação à alfabetização, creio que é um tema menos relevante, já que as novas gerações tendem a aprender a usar o computador de forma “natural”. Creio que a questão é outra: o aprendizado crítico do uso da internet.
A função do Estado muda quando se trata de países emergentes?
Os problemas mencionados anteriormente e as soluções indicadas são obviamente mais graves à medida que o país é mais pobre. O tema de como intervir é um problema relacionado com definir a medida adequada.
Por exemplo, em muitos países da América Latina, as ONGs e os governos promoveram a criação de telecentros em bairros carentes. Hoje, nesses mesmos bairros, vemos iniciativas privadas, ocupando esses espaços, oferecendo serviços baratos e gerando emprego.
Em outras palavras, a relação serviços públicos/mercado deve ser colocando dentro de uma perspectiva dinâmica, na qual inicialmente o Estado ou as ONGs podem ter um papel catalizador, sem necessidade de eternizar-se.
Como a inclusão das TICs impacta nas práticas de ensino e aprendizagem?
Esse tema é extremamente complexo. As investigações existentes têm produzido conclusões contraditórias. Em certos casos, há indicações de que o uso das novas tecnologias tem sido produtivos; em outros, neutro; e, finalmente, alguns estudos indicam resultados negativos.
Podemos, entretanto, apontar algumas pistas: a introdução das novas tecnologias não é uma panaceia para os problemas de formação adequada dos professores, infraestrutura escolar adequada e salários decentes; trata-se de um processo de longo prazo; esse processo apresenta um recorte geracional: de modo geral, professores de mais idade terão mais dificuldades para adaptar-se aos novos métodos pedagógicos; a criação de laboratórios de informática ou a distribuição de netbooks são apenas a ponta, e a mais barata, do iceberg que representa integrar efetivamente o computador no sistema escolar.
A utilização efetiva dos computadores por professores e alunos envolve uma cadeia de apoio
A utilização efetiva dos computadores por professores e alunos envolve a cadeia de apoio que inclui: a existência de serviços técnicos e material de reposição, a formação adequada e constante dos professores, a existência de software adequado, permanentemente avaliado e renovado, sistemas de comunicação entre a direção do sistema escolar e os professores, entre os próprios professores, e entre estes e os pais.
Vários estudos indicam que são as falhas na cadeia, e não na relação professor-aluno, as que levam a que os resultados sejam pouco animadores.
Quais mudanças acontecem nas formas de aprender e ensinar?
Sobre esse tema existe uma enorme bibliografia que exigiria um texto à parte. Em termos gerais, os estudos podem ser divididos entre os otimistas e os pessimistas. Os primeiros indicam que as novas tecnologias têm uma enorme capacidade de incentivar a criatividade e promovem o respeito pelas características individuais de cada aluno. Para os outros, as novas tecnologias favorecem a superficialidade, não formam pessoas disciplinadas e com capacidade de concentração e destroem o hábito da leitura.
Possivelmente ambas as posições possuem uma parte de razão. O desafio é como maximizar as virtudes e minimizar os efeitos nocivos. De qualquer modo, todos concordam que as antigas formas pedagógicas estão em crise. Devemos lembrar que essa crise vem de antes, associada a transformações sociais que debilitaram a autoridade do professor e que questionam valores tradicionais como disciplina, trabalho, respeito pela hierarquia ou idade.
A questão é que a introdução de novas tecnologias pode ser tanto um elemento de renovação como de aprofundamento da crise do ensino. No fim, não é fácil manter a atenção ou avaliar se o aluno presta atenção quanto está vendo a tela, ou quando muitas vezes usa o computador com mais destreza que o professor.
Sob quais perspectivas pedagógicas o acesso à internet deve se dar na escola?
A introdução de novas tecnologias pode ser um elemento de renovação ou de aprofundamento da crise do ensino
Creio que esse é o ponto nevrálgico. Para o bem e para o mal, os computadores estão sendo introduzidos nas escolas sem um planejamento pedagógico claro. No máximo, são oferecidos alguns softwares para o professor utilizar em classe.
Uma parte considerável dos professores, de modo explícito ou não, vivem essa transformação como mais uma fonte de insegurança sobre seu papel. Considero que, em primeiro lugar, deveria ser criada uma matéria que denomino “uso crítico da internet”, que indique ao professor (e ao aluno) qual é seu lugar nesse novo sistema de circulação e produção de conhecimento.
Esse papel será já não o de oferecer informação, que existe em abundância na internet, mas sim que se deve ensinar, de acordo com cada faixa etária, como usar, analisar e criticar os conteúdos disponíveis. Em suma, o professor deve continuar sendo especialista em conteúdo, e não ser colocado no papel de um técnico de computação, que muitos cursos de "formação" buscam objetivar.
Ao integrar as TICs às técnicas de ensino tradicionais, como se modifica o planejamento da aula e da instituição escolar em geral?
Sem entrar em detalhes sobre um tema extremamente amplo, existe consenso que as novas tecnologias conseguem obter efeitos positivos somente por meio de um redesenho do sistema de ensino. De forma sumária, trata-se da passagem da classe tratada como um grupo que avança em conjunto, até o tratamento individualizado de cada aluno.
Ou seja, as novas tecnologias valorizam as capacidades de cada estudante, ritmos diferenciados de aprendizagem, reconhecimento das capacidades específicas de cada indivíduo e novas formas de cooperação, inclusive pela formação de grupos virtuais.
No plano da instituição escolar, permitiria uma relação constante entre direção e professores, e entre esses e os alunos e seus pais, além da colaboração entre professores, independentemente de sua localização física. Por exemplo, existem várias experiências de elaboração de livros escolares por professores, por meio de plataformas que permitem a elaboração coletiva de textos.
Quais tipos de conteúdos e atividades podem ser trabalhados em aula com as TICs?
Podem ser trabalhados todos os conteúdos, e as atividades permitidas pelos sistemas de telemática, que favorecem novas formas de atividade e de expressão, como sites, blogs, diários online, e trabalhos que combinem textos com conteúdos audiovisuais.
Parte importante da formação dos professores deve ser orientada no sentido de captar as potencialidades das TICs e das novas formas de expressão em que trabalharão os jovens nascidos na era digital. Deverão, portanto, estar extremamente abertos a aprender dos alunos, inclusive a elaborar relatórios sobre as virtudes e defeitos dos softwares pedagógicos disponíveis.
Parte importante da formação dos professores deve ser orientada no sentido de captar as potencialidades das TICs
Que papel as famílias cumprem nesse processo de inclusão das TICs?
As famílias, da mesma forma que os professores, estão sendo superadas pelas novas tecnologias. No caso das famílias com menor conhecimento e acesso às novas tecnologias, o problema é mais dramático, inclusive porque se perde o suporte material (como o caderno com deveres), que permitia aos pais ter, ao menos, um mínimo de controle do trabalho dos filhos.
Igualmente, esses setores são alienados da nova dinâmica, por não poder comunicar-se on-line com os professores.
Quais são as perspectivas de futuro do Modelo 1 a 1?
É difícil prever o futuro. Estamos entrando em um túnel escuro, e enquanto alguns veem uma luz no fundo indicando um novo dia, outros pensam que se trata de um trem vindo da direção contrária. Penso que não podemos cair no pessimismo nem no triunfalismo, e que devemos recordar que o acesso a computadores e a internet, em si mesmo, não transforma a educação.
Distribuir computadores tem papel um positivo de inclusão digital, porém, em termos educacionais, os efeitos podem até ser nocivos, se não são parte de um projeto integral, que exige enormes recursos humanos e materiais, e que pode somente ser construído passo a passo, sem alardes, reconhecendo e corrigindo erros, por meio de um constante monitoramento dos resultados obtidos.
Fonte: http://blog.midiaseducacao.com/2013/03/bernardo-sorj-introducao-das-novas.html
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