quinta-feira, 13 de junho de 2013

Somos anjos e demônios na internet, diz o sociólogo Manuel Castells

Enquanto o centro de São Paulo ardia, na noite de terça-feira (11), com os protestos contra o aumento da tarifa de ônibus, não longe dali, no Complexo Cultural Tomie Ohtake, o sociólogo espanhol Manuel Castells fornecia em tempo quase real uma explicação teórica para manifestações como aquela, que nascem na rede e ganham as ruas do mundo.

A batalha paulistana foi referência recorrente, ainda que breve, em sua fala sobre comunicação e poder, na terceira conferência do ciclo Fronteiras do Pensamento em 2013, evento do qual a Folha é parceira. O especialista em mídia e política atribuiu a onda mundial de protestos a um novo espaço público cuja marca é a "autocomunicação de massas".
Professor e pesquisador em instituições de ponta como a Universidade Aberta da Catalunha, o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e a Universidade da Califórnia em Berkeley, Castell expôs sua complexa teoria sobre a crise na "comunicação de massas político-midiática" e as transformações tecnológicas nas comunicações.


O sociólogo espanhol Manuel Castells fala no Fronteiras do Pensamento, na noite de terça (11), em São Paulo


Karime Xavier/Folhapress

Segundo Castells, a lógica midiática leva à "personalização extrema da política", na qual "a mensagem política se resume a um rosto a ser eleito" -ou a ser destruído em escândalos midiáticos.

"Se a confiança na pessoa é a mensagem central, a principal arma de combate político é a destruição dessa pessoa", afirmou. O resultado é a desconfiança geral em relação à política.
A internet, para Castells, altera esse esquema de dois modos: ao permitir a "autocomunicação", retirando a mediação dos meios de comunicação, e ao aglutinar demandas "emocionais", como a "dignidade" reivindicada por movimentos europeus.
"A internet é a liberdade e é um meio de perdermos o medo juntos", disse Castells. Para ele, já vivemos uma "virtualidade real" e não mais uma "realidade virtual".
"A rede é a infraestrutura de nossas vidas", afirmou. "Somos anjos e demônios. Viver na internet tem um perigo: nós mesmos".

Em setembro a Zahar lançará seu livro "Redes de Indignação e Esperança". A visita ao país incluiu palestra em Porto Alegre, na segunda, e também na Universidade Mackenzie, em São Paulo, nesta quarta (12). Na quinta (13), Castells debaterá com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em evento fechado na Fundação iFHC.

Rute Vera Favero enviou uma pergunta ao Fronteiras Do Pensamento, para que fosse respondida pelo sociólogo espanhol, Manuel Castells

Pergunta:  É possível mudar o ensino como um todo e as instituições se tornarem "redes sociais de ensino e aprendizagem"? Afinal, todos esses jovens estão presentes nas redes sociais. Que estratégias acontecem nessas redes, que poderiam ser adotadas pelas instituições de ensino? 

Manuel Castells: As redes sociais não são algo à parte na vida dos jovens. Os jovens vivem nas redes sociais, nas redes familiares, nas redes pessoais. Quando minha geração desaparecer, todo mundo viverá nas redes sociais. Ou seja, no fundo, as novas formas de existência, que incluem... Eu sempre comparo a internet com a eletricidade. Na história, houve momentos em que apenas algumas pessoas tinham eletricidade. Mas, a eletricidade é fundamental para a sociedade industrial. Na nossa sociedade, a internet é a forma de comunicar, de existir, de fazer qualquer coisa.


Portanto, a questão é: os jovens, nas redes sociais, qual é a característica especial das redes sociais que favorece ou dificulta a expressão dos jovens? Eu diria que há uma conexão entre a cultura da autonomia, que é a cultura fundamental da sociedade atual e, principalmente, dos jovens, em relação às instituições e aos poderes da sociedade. A prática das redes sociais na internet que materializam essa cultura da autonomia. É o próprio meio dos jovens e, portanto, é também o meio de aprendizagem.

Um dos grandes problemas da educação é que há uma contradição entre a pedagogia e a organização do ensino – estabelecido historicamente através das formas verticais e burocráticas –, entre a cultura da autonomia, a capacidade de cultura digital do jovens... É totalmente contraditório. Mostraram os estudos feitos em diversos países: a razão do abandono escolar, da evasão escolar na escola secundária é porque os jovens se aborrecem na sala de aula. A sala de aula continua sendo feita em formas de comunicação que não são as dos jovens, que não são as desta sociedade. E isso não é um problema dos professores, é um problema do tipo de organização – vertical, tradicional.

Diria que o desenvolvimento da prática social dos jovens nas redes está reforçando sua autonomia e sua capacidade de redefinição cultural. No fundo, está levando ao  empoderamento dos jovens. Me parece irônico que, no país de Paulo Freire, se tenha esquecido a pedagogia da liberdade, a pedagogia do oprimido, que é a pedagogia básica.

Meu último comentário, aproveitando para passar uma informação para vocês... Vocês sabem que há estudos sérios do British Computer Society, que mostra uma correlação entre a internet e a felicidade. Arrá! Surpresa! Todos os meios de comunicação dizem que a internet é péssima, que é a fonte de todos os males... Não, há uma correlação entre o uso da internet e índices psicológicos de felicidade. Por quê? A correlação não quer dizer nada, mas o porquê é importante: a internet aumenta duas áreas fundamentais, a sociabilidade e o empoderamento. E quais são as duas variáveis mais importantes na determinação da felicidade das pessoas? A sociabilidade e o empoderamento. 

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