sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Invertendo a sala de aula invertida

Desde que Salman Khan colocou suas videoaulas pelo YouTube e se tornou um professor assistido mais de 280 milhões de vezes, a metodologia da sala de aula invertidaGlossário compartilhado de termos de inovação em educação tem se tornado cada vez mais popular. Afinal, podia ser uma boa ideia oferecer aos alunos recursos para que tivessem contato com a teoria primeiro, de casa, e deixar para a escola os momentos de discussão e de aprendizado mais profundo. Uma pesquisa realizada na Faculdade de Educação de Stanford, no entanto, mostra que a experiência educativa pode ser muito mais efetiva se, em vez de aprender de casa, o primeiro contato com determinada disciplina pode ocorrer a partir de atividades práticas, com experiência e investigação. É a reinversão da sala de aula invertida – ou, em inglês, “flip the flipped classroom”.
“Quando se tem uma intuição na educação, é preciso fazer uma pesquisa antes de defendê-la. Foi isso que fizemos com a sala de aula invertida. Ela é uma boa ideia, mas com mais uma inversão no início do processo, ela pode ficar melhor”, disse hoje o brasileiro Paulo Blikstein, professor assistente de Stanford, durante o seminário Estratégias para superar as desigualdades educacionais brasileiras, promovido pela Fundação Lemann. Blikstein é um dos responsáveis pela pesquisa, junto de seu aluno de doutorado Bertrand Schneider.
O recém-lançado estudo Preparing for Future Learning with a Tangible User Interface: The Case of Neuroscience (Preparando-se para a aprendizagem futura com uma interface tangível para o usuário: O caso da neurociência, em livre tradução) mostra que o aprendizado iniciado com a prática pode ser 25% maior do aquele que começa com conceitos abstratos.
Participaram do estudo 28 alunos de graduação, nenhum dos quais tinha tido aula de neurociência anteriormente. Eles foram divididos em dois grupos: metade foi submetido à metodologia da sala de aula invertida e metade ao método que reinverte a sala de aula. No início, todos fizeram um teste sobre conhecimentos de neurociência. Na sequência, o primeiro grupo leu sobre o assunto, enquanto o segundo teve contato com uma ferramenta digital interativa chamada Brain Explorer, que mostra como o cérebro humano processa imagens. No fim dessa etapa, os alunos fizeram uma prova e os que tiveram acesso à atividade exploratória obtiveram nota 30% superior à dos colegas que leram sobre o assunto.
Os grupos, então, trocaram de atividade. Os que tinham lido puderam manipular o Brain Explorer e os que haviam trabalhado com a ferramenta foram ler sobre o assunto. Quando um novo teste foi aplicado, o grupo que tinha sido introduzido ao assunto com uma proposta “mão na massa” voltou a ter nota maior, dessa vez 25% superior do que os outros colegas. Para tirar a prova dos nove, os pesquisadores fizeram todo o experimento novamente usando videoaulas em vez de textos e o resultado foi similar.
De acordo com Blikstein, o estudo não testou grupos de idades diferentes e em assuntos variados. No entanto, ao considerar experimentações semelhantes que chegaram à conclusão parecida, a pesquisa mostra um “forte indício” de que a prática antes da teoria tem um efeito melhor no aprendizado. “O que defendemos é a difusão do aprendizado por projeto, a oportunidade de aprender com mão na massa, de explorar um problema”, afirma o brasileiro, que comanda os FabLabs, um programa que leva laboratórios de ciência de ponta a escolas e permite que os alunos aprendam fazendo as mais diferentes disciplinas – o chamado aprendizado baseado em projeto. “Nós estamos mostrando que experiência, investigação e resolução de problemas não são apenas ‘coisas legais’ de se ter em sala de aula. São mecanismos de aprendizado poderosos que melhoram a performance dos alunos todas as vezes que medimos”, afirmou ele.
Em um editorial assinado no The Stanford Daily, Blikstein e outros dois colegas de pesquisa, Bertrand Schneider e Roy Pea, defendem que o uso de tecnologias educacionais ajuda a oferecer melhores oportunidades de aprendizado aos alunos. “Esses resultados invertem o modelo de sala de aula invertida. Eles sugerem que os estudantes estão mais bem preparados para entender e apreciar a elegância de uma teoria ou de um princípio quando exploram inicialmente a questão por eles mesmos. Novas tecnologias, particularmente ferramentas e interfaces tangíveis, servem bem a esse propósito”, disseram.
No texto, o trio defende a sala de aula invertida, mas faz um alerta: é preciso atentar para a forma como ela é usada. “Com esse estudo, estamos mostrando que a pesquisa em educação é importante porque, às vezes, nossas intuições sobre ‘o que funciona’ estão erradas. A sala de aula invertida vai na direção certa: precisamos de menos aulas expositivas e mais experiências práticas. No entanto, ao não prestar atenção a pesquisas, estamos usando o que é uma boa ideia de um jeito errado.” E concluem com uma alfinetada: “pesquisa em educação é vital para melhorar nossas escolas. Intuição é bom, mas ciência é melhor”.

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