Marco Silva é sociólogo e doutor em educação autor dos livros “Sala de aula interativa” e “Formação de professores para docência online” Coordenador do Laboratório de Educação On-line da Faculdade de Educação da UERJ e um dos fundadores da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber).
1. Em seu livro Sala de aula interativa, você aponta mudanças que a interatividade proporciona no paradigma comunicacional. Qual o paradigma que prevalece nas nossas escolas?
Marco Silva: O paradigma comunicacional que prevalece nas nossas escolas é o unidirecional. Ele sustenta a pedagogia baseada no falar-ditar ou na oratória do mestre. Ele sustenta a prática docente baseada na apresentação do “conhecimento” para recepção e execução. A sala de aula presencial, a sala de aula da “educação a distância” (EaD via impressos, rádio e tv) e também a sala de aula online estão muito definidas por esse paradigma unidirecional. Estão todas imersas no cenário secular da cultura do audiovisual de massa. E são herdeiras da lógica da distribuição de informação que separa a emissão que tem o controle da situação e a recepção que, mesmo inquieta, não tem autoria direta na construção da mensagem porque os meios impressos, rádio, cinema e tv não contemplam sua atuação. Assim, podemos dizer que os sistemas de ensino que conhecemos são mídias unidirecional de massa. Falemos então em paradigma informacional e não comunicacional.
2. Quais são os pressupostos de uma sala de aula interativa?
Marco Silva: A sala de aula que quiser superar o paradigma unidirecional da pedagogia da transmissão pode começar atendendo efetivamente às sugestões clássicas de grandes educadores como Dewey, Vygotsky, Freinet, Anísio Teixeira e Paulo Freire que são: autonomia, diversidade, dialógica e democracia. Entretanto, será preciso algo mais que eles não tiveram em seu tempo forjado na cultura do audiovisual de massa: o paradigma da comunicação interativa. Eles tiveram as palavra interação e interacionismo, de certo modo compatíveis com a cultura do audiovisual de massa. Será preciso mais que isso. Refiro-me à palavra interatividade que não é um termo da informática, mas da teoria da comunicação. Ela diz respeito à dinâmica que articula emissão e recepção na cocriação da mensagem. Os clássicos educadores, nossas maiores referências em educação, não puderam experimentar essa dinâmica no cenário midiático que conheceram. Para ser interativa, a sala de aula precisará rever sua ambiência comunicacional e o professor deverá promover e garantir aos discentes: autoria, compartilhamento, conectividade, colaboração na construção da comunicação, do conhecimento e da educação.
3. O que deve ser feito em sala de aula para que os alunos não sejam meros receptores de informações, mas, criadores, construtores e coautores da aprendizagem?
Marco Silva: O professor, em sua mediação docente, precisará operar uma diversidade de engajamentos comunicacionais. Por ex.: a) Oferecer múltiplas informações (em imagens, sons, textos, etc.) utilizando ou não tecnologias digitais, mas sabendo que estas, utilizadas de modo interativo, potencializam consideravelmente ações que resultam em conectividade, autoria e colaboração na construção da comunicação e do conhecimento; b) Ensejar (oferecer ocasião de…) e urdir (dispor entrelaçados os fios da teia, enredar) múltiplos percursos para conexões e expressões com o que os discentes possam contar no ato de manipular as informações e percorrer percursos arquitetados; c) Estimular os discentes a contribuir com novas informações e a criar e oferecer mais e melhores percursos, participando como coautores do processo; d) Pressupor a participação-intervenção do receptor, sabendo que participar é muito mais que responder “sim” ou “não”, é muito mais que escolher uma opção dada; participar é modificar, é interferir na mensagem; e) Garantir a bidirecionalidade da emissão e recepção, sabendo que a comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção; o emissor é receptor em potencial e o receptor é emissor em potencial; os dois polos codificam e decodificam; f) Disponibilizar múltiplas redes articulatórias, sabendo que não se propõe uma mensagem fechada, ao contrário, se oferece informações em redes de conexões permitindo ao receptor ampla liberdade de associações, de significações; g) Engendrar a cooperação, sabendo que a comunicação e o conhecimento se constroem entre alunos e professor como cocriação; e h) Suscitar a expressão e a confrontação das subjetividades, sabendo que a fala livre e plural supõe lidar com as diferenças na construção da tolerância e da democracia.
4. O que você diria a um professor que quer modificar sua postura centrada no seu falar-ditar, mas não sabe como?
Marco Silva: Em primeiro lugar eu o felicitaria pelo seu desejo e inquietação, revelando que com isso ele já tem 50% do caminho andado. Em segundo lugar, que procure a formação continuada capaz de lhe oferecer subsídios precisos para alcançar tal objetivo. Sobre este segundo item, eu o alertaria para o fato de que a formação para docência existente costuma ser ela mesma herdeira do paradigma informacional e não comunicacional. A formação baseada em palestras pontuais é o maior exemplo disso. Para além, ele precisará se engajar em formação continuada baseada em oficinas, leituras, debates… em suma, precisará da formação que permita vivenciar aquilo que ele deseja alcançar e aperfeiçoar na prática docente em sua sala de aula.
5. Paulo Freire mesmo não tendo tratado do conceito de interatividade é uma referência no seu livro Sala de aula interativa. Que relação há entre Freire e uma sala de aula interativa?
5. Paulo Freire mesmo não tendo tratado do conceito de interatividade é uma referência no seu livro Sala de aula interativa. Que relação há entre Freire e uma sala de aula interativa?
Marco Silva: Freire aprece no meu livro dizendo algo que vem sustentar minha mobilização em favor da sala de aula interativa. Vou transcrever aqui suas falas devidamente citadas para estimular sua leitura no original: “A educação autêntica, repitamos, não se faz de ‘A’ para ‘B’ ou de ‘A’ sobre ‘B’, mas de ‘A’ com ‘B’, mediatizados pelo mundo.” (Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 98.) Ele critica a pedagogia da transmissão como modelo mais identificado como prática de ensino e menos habilitado a educar: “O professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma uma consciência bancária [sedentária-passiva]. O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita. [...] A consciência bancária ‘pensa que quanto mais se dá mais se sabe’.” Dizendo assim ele critica o ensino que não estimula a expressão criativa e transforma o estudante no receptor passivo que perdeu a capacidade de ousar (Cf. Educação e mudança, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 38.). “Quem apenas fala e jamais ouve; quem ‘imobiliza’ o conhecimento e o transfere a estudantes, não importa se de escolas primárias ou universitárias; quem ouve o eco apenas de suas próprias palavras, numa espécie de narcisismo oral [...], não tem realmente nada que ver com libertação nem democracia.” (A importância do ato de ler…, São Paulo: Autores Associados/Cortez, 1982, p. 30-31.) Portanto, “ensinar não é a simples transmissão do conhecimento em torno do objeto ou do conteúdo. Transmissão que se faz muito mais através da pura descrição do conceito do objeto a ser mecanicamente memorizado pelos alunos”. (Pedagogia da esperança…, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 81.). Essa advertência de Paulo Freire, no entanto, não modificou a postura comunicacional dos docentes com seus discentes. Mesmo percebendo que a tela interativa do computador, do tablet, do celular, que sustenta as redes sociais e os blogs na cultura digital ou na cibercultura, vem engendrando um novo espectador menos passivo diante da transmissão própria da cultura do audiovisual de massa, pouco ou quase nada faz para contemplar a expressão comunicacional interativa tão favorável à educação cidadã.
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